Alexandre (Alex) Bourgeois chegou ao São Paulo Futebol Clube em 2015 com o peso da indicação de Abílio Diniz, um dos maiores empresários do país e conselheiro do time paulista. Como CEO de um dos maiores times da América Latina, o intento de Alex foi iniciar um modelo de gestão integralmente profissional, objetivo minado por uma série de fatores. Em virtude do fato de há anos o Náutico esbarrar no fracasso em praticamente qualquer tentativa pró-profissionalização do clube, entender o que deu errado nas tentativas de Bourgeois é uma oportunidade de antecipar erros no desejado movimento Náutico Profissional.
Para enquadramento das respostas de Bourgeois no contexto do Náutico, serão tecidos comentários após cada resposta, todos baseados nos documentos Náutico Analisado (2015) e Náutico Analisado II (2016), todos com acesso disponível em link no fim da entrevista. Pergunta 1: Quais os maiores obstáculos enfrentados por um clube de futebol no processo de profissionalização? Alex Bourgeois: O modelo. O modelo do futebol brasileiro baseado na gestão amadora tornou os clubes de futebol em agremiações políticas que também jogam futebol. O clientelismo, a briga pelo poder dificulta a gestão profissional. A gestão amadora e política tem uma visão de resultados no curtíssimo prazo que impede qualquer planejamento sério! Comentário Náutico Profissional: Esportiva e comercialmente, há exemplos de sobra que reforçam a ideia de Bourgeois. No futebol, o Náutico não consegue começar e concluir uma temporada com o mesmo técnico desde 2004, que também foi o último ano no qual menos de 20 jogadores foram contratados (há um vício na troca de atletas e técnicos, enquanto não se questionam as ideias e o modelo de formação); comercialmente, o clube está sempre reformulando seu plano de sócios e segue sem uma adesão perene da torcida. Pergunta 2: Na conjuntura esportiva profissional, qual a relação entre tecnologia e profissionalismo? Alex Bourgeois: Na Europa e em todos os esportes americanos essa relação é muito alta. No Brasil, por motivos culturais e também pelo modelo de gestão ultrapassado dos clubes essa relação é muito baixa. Existe também um certo ufanismo que nos faz sempre apostar no tal talento que resolve tudo sozinho, o salvador da pátria. Comentário Náutico Profissional: Entre 2003 e 2017, dos mais de 100 atacantes contratados pelo Náutico, apenas 10 (Felipe, Kieza, Carlinhos Bala, Gilmar, Rogério, Bruno Meneghel, Acosta, Elton, Wellington e Geílson) marcaram mais de dez gols pelo clube. Ao final de 2015, o número médio de gols marcados por um atacante do Náutico (entre 2003 e 2015) era de 1,95 gol. Ainda assim, muitas vezes se justificam contratações profetizadas como equivocadas com perguntas como: "Quem era Kuki quando chegou aqui?" Ainda que, sim, Kuki tenha sido um achado e se configurado como uma espécie de salvador da pátria, em quase 20 anos nunca se achou um outro Kuki - e achar que haverá é uma utopia, além de revelar o tal ufanismo mencionado por Bourgeois. Ainda que fosse possível achar 'o novo Kuki', essa pergunta seguiria infundada, já que o baixinho chegou ao Náutico com um histórico artilheiro (ainda que em campeonatos pouco expressivos), enquanto os atacantes que aportam em Rosa e Silva nos últimos tempos possuem um número pífio de gols na carreira, uma métrica que não demanda qualquer tecnologia além de um simples acesso à internet para ser medida. Pergunta 3: O quão prejudicial é para um clube ignorar o custo do sócio-torcedor? E como identificar esse custo? Alex Bourgeois: O problema aí é maior que do que o custo. A questão é ter a capacidade de entregar ao sócio-torcedor, que é um consumidor, uma gama de produtos para ele consumir. Nossa relação com nosso consumidor é péssima, mas infelizmente isso não é monopólio do futebol. Precisa primeiro identificar quem são esses consumidores e o que eles desejam para depoisa analisar e potencializar uma relação de longo prazo. Comentário Náutico Profissional: Por 'custo' do sócio-torcedor, o NP se refere ao quanto será investido pelo Náutico pela aderência de cada sócio. Por exemplo: se é prometido a cada associado uma revista mensal entregue em casa, quanto irá custar fazer essa entrega para um sócio? E para 100? E para 1.000? E para 5.000? Tendo essa noção, o clube pode melhor precificar suas categorias de associados como estudar melhor uma oferta mais rica na experiência. Pergunta 4: Na contratação de atletas, qual o processo de migração do empirismo para a pesquisa operacional? Alex Bourgeois: De novo é uma questão de modelo. Quais são os dirigentes capazes de identificar essa necessidade? Quais são os profissionais de futebol capazes de entender que isso pode ser uma grande ferramenta de ajuda a tomada de decisão e não uma ameaça ao seu emprego? Enquanto isso não for resolvido continuaremos no mundo do empirismo baseado no modelo de tentativa e erro! Comentário Náutico Profissional: A dificuldade nesse meio se reflete não apenas em ter um profissional que entenda essa necessidade e busque soluções para atendê-la, mas por encontrar autonomia para este profissional. No atual modelo pelo qual o Náutico é gerido, um diretor-remunerado de futebol (a exemplo de Gustavo Mendes, Carlos Kila, Daniel Freitas e Alexandre Faria, executivos de futebol que o clube teve desde 2010) precisa, para tomar praticamente qualquer medida (principalmente se inovadora), do aval de um diretor de futebol (ex: Marcílio Sales), que precisará do crivo do vice-presidente de futebol (ex: Toninho Monteiro), que precisará da autorização do presidente. Esse formato é o mesmo em qualquer outro departamento do clube. Minimizar a hierarquia e estender essa medida a todas as áreas é uma das vertentes pregadas pelo Náutico Profissional. Pergunta 5: Um de seus estudos reflete uma discrepância entre o investimento feito e os pontos conquistados por times de grande porte nacional. Quais são os pilares necessários para redução desta ineficiência? Alex Bourgeois: O aumento da eficiência demanda montagem de um planejamento que comporte a medição dos resultados e uma gestão capaz de analisar esses índices conhecido como KPI - Key Performance Index (processo utilizado para medir aspectos como produtividade, qualidade, capacidade, indicadores estratégicos e lucratividade). Falta a capacidade de planejamento de fato no futebol brasileiro. Executivos contratam nomes e mais nomes sem ter nenhuma medição a não ser os jogos de quarta e domingo. É muito pouco para o futebol no século XXI. Comentário Náutico Profissional: Como medir métricas fundamentais se nem sequer as estabelecemos? Ao longo dos anos, principalmente pelo longo jejum de conquistas, o objetivo traçado pelo Náutico parece ser apenas conquistar um título. Dentro desse modelo de gestão, principalmente esportiva, isso é quase impossível, mas ainda assim, nunca se foi perguntado o que faria da temporada bem-sucedida caso não conquistássemos algo. Num futuro (e espero que próximo), passar uma temporada sem nenhuma conquista pode vir a ser considerado como FRACASSO para nós, mas no presente, tanto porque dispomos de recursos parcos quanto pelo fato de que fazemos um péssimo uso destes recursos, é preciso traçar objetivos que vão nos galgando até o cenário em que títulos sejam uma exigência justa, e não um delírio. O mesmo se aplica para um quadro associativo sustentável e lucrativo. Pergunta 6: Além dos fatores particulares de cada clube, o que, no ambiente externo (federações, legislações, economia) interfere no processo de profissionalização? Alex Bourgeois: Tudo interfere. Cultura, costumes, federação... Eu uso uma equação para definir o futebol brasileiro: 𝑓 (𝐹𝐵) =𝑀𝐴+𝑅𝐴+𝐺𝐴 Sendo: FB = Futebol Brasileiro MA = Modelo Associativo (por Modelo Associativo, Bourgeois se refere ao modelo de gestão no qual o Náutico é gerido, oposto a um sistema profissional, empresarial. Clubes europeus como Chelsea, Manchester City e United são geridos desta forma, enquanto Barcelona e Real Madrid possuem um modelo híbrido - uma mescla do modelo associativo com o empresarial. A utilização destes modelos se provou extremamente rentável. Nos anos 90, o faturamento anual do Palmeiras era superior ao do Manchester United; hoje, o United fatura sete vezes mais). RA = Regulador Ausente GA = Gestão Amadora No Brasil, essa essa equação é <0. Se qualquer uma dessas variáveis mudar a equação vira > 0. A nossa economia tem total condição de apoiar um campeonato que poderia ser um dos 3 maiores do mundo. Mas a pergunta é: quem tem interesse em mudar isso? Comentário Náutico Profissional: A pergunta final de Bourgeois revela uma máxima que prego: o presidente mais importante da história do Náutico não será o detentor de mais títulos, mas o mais corajoso. Mudar nossas próprias variáveis tem se mostrado uma missão espinhosa, ainda que o Náutico colecione resultados iguais ou piores ao longo dos anos. Continuamos fazendo as mesmas coisas, e de alguma forma, seguimos esperando resultados diferentes.
Visando um debate com a torcida sobre a necessidade de profissionalização do Náutico, o Náutico Profissional é um movimento apartidário que busca através de produção de conteúdo e ações acelerar esse processo, vital para o reerguimento do clube. Toda segunda-feira será publicado um conteúdo inerente ao assunto, que pode ser conferido através do blog Legião Alvirrubra ou acompanhado através de mailling, pela newsletter Náutico Profissional (optando pela newsletter, é interessante checar o lixo eletrônico ou spam para autorizar o recebimento direto na caixa de entrada - por se tratar de uma plataforma online, alguns e-mails podem restringir o recebimento).
Links:
Náutico Analisado (publicado em 2015)
Náutico Analisado II (publicado em 2016)
Instragram - @nauticoprofissional Facebook - Náutico Profissional |
terça-feira, 2 de janeiro de 2018
Náutico Profissional - Entrevista com Alex Bourgeois
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
Náutico Profissional
Se contam nos dedos os meses de dezembro em que os torcedores do Náutico olhavam para trás para lembrar um ano glorioso; mais comum é olharmos para frente, tentando enxergar um futuro cada vez mais incerto.
A cada ano que passa, devido aos fracos resultados obtidos esportiva e financeiramente, o desafio do Náutico de se reerguer como um clube forte no cenário nacional aumentam bastante. A disparidade começa no âmbito estadual - o valor pago pelo Sport mensalmente a Diego Souza supera toda a previsão da folha mensal do Náutico em 2018. Bahia e Vitória, que sempre estiveram à nossa frente nas finanças, ganharam a companhia do Ceará, que nos últimos tempos se estruturou o suficiente para vencer uma Copa do Nordeste e se tornar uma vitrine mais interessante que o Náutico.
Preocupa também a ausência de resultados no futebol. Em 2018, serão completados 50 (cinquenta) anos do hexacampeonato estadual, feito até hoje nunca alcançado. O Náutico pode (e deve) se orgulhar dessa conquista, mas não pode continuar fazendo dela a razão de sua existência. Nesses 50 anos, vencemos apenas SETE títulos estaduais (74, 84, 85, 89, 01, 02 e 04), e todos eles marcados por duras sequências sem taças:
- 6 anos entre o título de 1968 e o de 1974
- 10 anos entre o título de 1974 e o de 1984
- 12 anos entre o título de 1989 e o de 2001
- 13 anos desde o último título, em 2004
Podemos buscar culpados por isso. Podemos nos esconder atrás da desigualdade pelo Clube dos 13; podemos nos apegar ao azar que atribuímos a certos ocasos e podemos continuar fingindo que nos contentamos com 6 títulos que não vimos (ao menos a maioria de nós).
Mas podemos também olhar para nossos próprios erros. Reconhecer que desde 2004 não conseguimos manter um único treinador numa temporada. Que, também desde 2004, nunca conseguimos contratar menos de 20 atletas num só ano. Que temos feito negociações pouco inteligentes com os atletas da casa, como no caso de Erick, ou mesmo transações escusas, como no caso de Douglas Santos.
Enquanto não assumirmos a responsabilidade por onde estamos, não estaremos em condições de reagir. Não queremos que a história nos pese, mas que nos empurre. Não pode ser normal vangloriarmo-nos de seis títulos consecutivamente conquistados e ficarmos parados com 7 títulos vencidos após intervalos de 6, 10, 12 ou 13 anos.
Quando comecei este blog, em 2012, tinha quinze anos. Nunca sequer imaginei que dele pudesse resultar qualquer interação maiores que comentários aqui deixados. Contudo, descobri que quando há um verdadeiro senso de propósito e profunda dedicação no que se faz, portas são abertas. Mesmo ainda adolescente, portas me foram abertas por pessoas como Durval Valença Filho, Gustavo Agra e Joaquim Costa.
Em 2015, após a publicação de um documento intitulado Náutico Analisado, Marcos Freitas, então candidato a presidente, me convidou para expor minhas ideias no lançamento de sua chapa, realizado no Spettus Derby. Dois anos depois, o Náutico encontra-se em situação muito pior, e se eu fizesse uma terceira edição de Náutico Analisado (porque uma segunda foi publicada em 2016), os números revelariam que apenas mais do mesmo foi feito, e exporiam dados ainda mais alarmantes, que oneram nosso Náutico num passivo sangrento e o prendem num poço que parece sem fundo.
Não há um caminho de recuperação possível que não seja lento e tortuoso. O único que me parece correto é o da profissionalização, num modelo de gestão em que não precisemos, e muito menos aceitemos, empréstimos de diretores; em que prestemos contas aos sócios e que essas contas revelem que não foram feitas loucuras visando resultados de curto prazo.
Náutico Profissional é um movimento criado há algum tempo, e agora renovado para que a torcida possa prestar o socorro que o clube pede - esportiva, financeira e socialmente. Apartidária, a causa visa um plano de médio/longo prazo em que o Náutico seja vencedor, viável e ativo, retomando seu posto no rol dos grandes clubes brasileiros.
Para aderir ao Náutico Profissional, que está em processo de elaboração de projetos e campanhas para arrecadação de receita objetivando a estruturação do clube, fazer contato via whatsapp: 9.9706-2386
Náutico Acima de Tudo.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
O Náutico segue
A saída de Lisca foi indiscutivelmente o assunto mais comentado nos últimos dois dias no futebol pernambucano, intitulado como "o mais animado do Brasil". De fato, a imprensa repercutiu bastante o fato, até pela maneira de como a notícia vazou (um taxista que atendeu Lisca anunciou sua saída em primeira mão) e a torcida, em sua maioria (e incluo-me neste grupo), lamentou bastante a saída do comandante. Mas é preciso deixar o passado recente para trás e mirar no principal objetivo do clube.
A Série B sempre se caracterizou como uma competição de enorme competitividade, bem mais nivelada do que a Série A. Com exceção dos anos de 2003, 2005, 2006, 2008, 2009 e 2013, quando times como Palmeiras (por duas vezes), Botafogo, Grêmio, Corinthians e Vasco (disputando a competição pela segunda vez em cinco anos), membros do "G-12", estiveram na disputa já como virtuais campeões, sempre foi difícil apontar um campeão na Série B. Até times mais tradicionais que os habituais, como Coritiba, Goiás, Atlético/PR e Figueirense ou levaram mais de dois anos para subir ou não conseguiram o acesso com título. A competitividade chegou a níveis alarmantes em 2012, quando o São Caetano obteve 71 (setenta e um) pontos (a "margem de segurança" é de 65) e ainda assim não conseguiu o acesso.
O Náutico, nas últimas edições em que participou no atual sistema, sempre esteve brigando por alguma das quatro vagas. Subiu em 2006, em 2010 foi o time do 1º turno que passou mais tempo no G-4, porém atrasos salariais ocasionaram uma brusca queda de rendimento que quase terminou em rebaixamento. Tornou a subir em 2011, ficando em 2º lugar atrás apenas do histórico time da Portuguesa apelidado de "Barcelusa" pelo futebol de alto nível praticado.
Para ter êxito nesse fundamental desafio, o Náutico precisa resolver alguns problemas prementes:
- Achar um técnico que se enquadre no perfil técnico/financeiro do clube e tenha condição de galgar e buscar o título;
- Resolver seu problema de preparação física (terá uma intertemporada valiosa para fazê-lo);
- Resolver problemas internos que evidentemente existem;
- Identificar necessidades pontuais do time e reforçá-lo com o máximo de critério.
A fórmula para subir os degraus que levam até a Série A é conhecida: vencer em casa. Tanto em 2006 como em 2011, o Náutico teve a melhor campanha como mandante da competição. Em 2006 perdeu apenas um jogo em seus domínios e em 2011 foi o único time das quatro séries futebolísticas nacionais a terminar invicto em casa.
Pesou para o título não vir nos anos citados a irregularidade fora de casa. Em 2006 foram apenas duas vitórias em territórios inimigos e o dobro em 2011. Um padrão que permita ao timbu executar ao máximo o planejamento básico passa pela chegada de um técnico que conheça a competição, teorica ou praticamente.
Foram característica desse time também a presença de ao menos um jogador que puxasse a responsabilidade e resolvesse nos momentos mais difíceis.
Em 2006, Netinho, Kuki e Felipe foram responsáveis, juntos, por 41 dos 64 gols do Náutico, ou 64,06% dos gols marcados; em 2011, Kieza, sozinho, foi responsável por 21 dols 51 gols do Náutico, ou 41,1% dos gols marcados. É preciso encontrar, ainda, os jogadores que assumam esse posto. Infelizmente, como visto no post passado (Lisca Precipitado), lesões tiraram de combate atletas que já eram pilares do grupo
O acesso é possível. Com ou sem Lisca. A vantagem competitiva praticamente não existe. Com exceção do Vasco, os times são muito nivelados. Vai ser duro. Mas vai ter que ser.
Vamos subir, Náutico
quarta-feira, 7 de maio de 2014
Lisca Precipitado
Pouco mais de cinco meses após sua contratação oficial, Lisca deixa, por vontade própria, o comando do Náutico. O pedido de demissão foi inicialmente negado pelo presidente executivo, Glauber Vasconcelos, mas o treinador não revogou sua decisão e de fato está fora do clube.
O técnico, bastante conhecido no futebol gaúcho, chegou ao clube num momento de necessidade: necessidade de resiliência, de auto-estima, de vitórias. Mas com o moral em baixa, o caixa apertado, a unidade política mais quebrada do que nunca e o nome e a credibilidade do clube sem respaldo, foi difícil encontrar momentos de tranquilidade num trabalho incipiente.
Com apenas três jogadores no plantel no momento em que assinou com o clube, o maior desafio de Lisca foi remontar um elenco do zero. Com todos os obstáculos já citados em meio ao processo. O tripé dos negócios (dinheiro, oportunidade e respaldo) sustentado por uma só coluna foi suficiente para trazer, aos bolos, uma leva de atletas, em sua maioria desconhecidos, para jogar a Copa do Nordeste em um tempo de 18 dias. Com um mercado escasso e, nas condições do Náutico, débil.
Dados os primeiros passos de uma longa caminhada, veio a Copa do Nordeste em um grupo dificílimo, com o rival Sport, opulente, munido de muito mais recursos e recém egresso a Série A; o Botafogo/PB, que alguns meses antes havia conquistado a Série D; e o Guarany/CE, junto ao Náutico uma incógnita.
Sem delongas, não havia, nem no pequeno grupo de alvirrubros mais otimistas, alguém que acreditasse numa arrancada espetacular no início do trabalho. A esperança criada e o otimismo renovado após uma vitória, após quase dez anos completos, sobre o Sport na Ilha do Retiro na 2ª rodada da competição acabou por frustrar, mais do que se podia prever, toda uma torcida que meses antes não galgava mais nada, com a posterior eliminação. O fato de que, passadas três rodadas e, tendo o Náutico um jogo a menos que Guarany e Sport, estando entre os dois que seguiriam adiante criou a certeza de uma classificação que não veio de maneira quase trágica.
E aí veio a primeira das muitas dificuldades que Lisca passaria no Recife: o jogo adiado com o Botafogo, que colocou o Náutico em uma sequência desumana de jogos e sobrecarregou fisicamente um time que mal teve pré-temporada.
Ainda nesta competição, sua comemoração incomum e, principalmente, atrevida no alambrado na Ilha do Retiro após a quebra de um longo tabu criou um rótulo folclórico em cima do mesmo que sempre escondeu seus méritos: o de doido. Esse "título" já veio em sua mala de Caxias de Sul, mas sua "rivalidade" com o atacante Neto Baiano, do Sport, e demais atitudes ao longo de sua passagem, curta, mas intensa, só fizeram aumentar mais essa associação. Tudo isso representava um paradoxo. Lisca não é e nunca foi doido. Ao contrário. Mostrou-se inteligente, excelente orador, quase prosaico, e, principalmente, intrépido, o que incomodava pelas respostas em alto nível dadas a imprensa, acostumadas as toupeiras prolixas que comumente aqui trabalham. Tinha pouca tolerância a factoides quase diários, sempre rapidamente desmentidos pelo mesmo. Um Lisca incomoda muita gente.
Eliminado da Copa do Nordeste, as atenções voltaram-se para o Campeonato Pernambucano. Embora irregular, Lisca transformou seu grupo, limitado, em um bando competitivo. Qualitativamente deficiente, taticamente obediente, sempre motivado. O Náutico nunca correu sérios riscos de ficar de fora do grupo dos quatro que se classificariam as finais, e provou isso com uma improvável liderança, que colocou o timbu frente ao Salgueiro na primeira batalha. O grupo era, acima de tudo, cônscio.
Valente, mesmo com a derrota em Salgueiro, o timbu conseguiu, nos pênaltis, passar a final em emocionante embate. A disputa pelo título não ocorria desde 2010. O rival era o mesmo da última final: o Sport.
Nos últimos anos, o Campeonato Pernambucano consolidou-se como parelho, com uma disputa acirrada e imprevisível pelo título. Apesar do centenário tricolor, não havia como negar o favoritismo gritante do Sport, que, com a chegada de Eduardo Baptista fez valer seu rótulo: foi absoluto nas finais e merecidamente venceu. O sentimento, embora não haja como não carregar a tristeza, era diferente do de outros anos. E a torcida estava com Lisca. O Náutico não perdeu um campeonato praticamente ganho, disputou, até o fim, um campeonato em que todos davam, desde o início, como perdido.
O início de Série B, embora apenas três rodadas tenham se passado, foi consideravelmente bom. Invicto, o Náutico venceu em casa e, com contextos diferentes, pontuou fora. O último jogo pelo campeonato teve sabor de derrota, mas a fórmula do acesso estava sendo aplicada: vencer em casa, pontuar fora.
O ocaso de Lisca ocorreu na Copa do Brasil, após derrota vexatória para o América/RN por 3x0 na Arena das Dunas.
Em uma análise sucinta, os grandes obstáculos de Lisca, além dos expostos no início do texto, foram:
1. O adiamento do jogo com o Botafogo/PB na Copa do Nordeste, que comprometeu a parte física do time;
2. Seu rótulo de "doido", sempre maquiando seus acertos, que foi aumentado pela sua rixa com Neto Baiano e:
3. Sua relação de celeuma com a imprensa; Lisca era pouco leniente e a imprensa demasiada atrevida em sua maioria, plantando notícias escusas que sobrecarregavam um ambiente já tenso. No breve período de Náutico, segundo a imprensa, Lisca discutiu com Marcelinho, Elicarlos e Marcos Vinicius, mas o técnico só confirmou a discussão com Marcelinho;
4. Seu perfil de "dar a cara a tapa", o que sempre lhe colocava em primeiro plano mesmo ante os problemas que não lhe diziam respeito e que avolumavam, ainda mais, uma vasta carga;
5. O peso de dirigir um clube carente de títulos, vitórias ou até mesmo perspectivas, tarefa escabrosa e que nem todos os profissionais do mercado estiveram/estão dispostos a aceitar;
6. Problemas de vestiário que foram, na maioria, causados por fatores externos;
7. O "fantasma das lesões" que assombraram o jogador do Náutico, deixando "hors de combat", Pedro Carmona e Luiz Alberto, peças-chave do time, e ausentes por tempo considerável Zé Mário e Marinho, dois verdadeiros motores em campo.
Ao pedir demissão do Náutico, Lisca comete um erro. Tenho uma convicção a respeito do futebol, que é aplicável dos dois lados da mesa: não se tomam decisões de cabeça quente. Principalmente se quem tiver que tomá-la for dotado de perfil explosivo, como Lisca, inegavelmente, é.
Após a derrota para o América, onde o time todo esteve em desempenho horrível, sem nenhuma eficiência, Lisca tomou problemas de um semestre quase inteiro e tomou sua decisão. Contra a vontade dos dirigentes. De cabeça quente, sem analisar a parada vindoura em decorrência da Copa e sem analisar que, queiram ou não queiram os críticos, o Náutico vinha sendo eficiente. Ainda não eficaz, mas eficiente. E, fazendo isso, ele não prejudica só ao Náutico, mas a ele mesmo.
Contra o Náutico:
1. Fica refém de um elenco desconhecido, indiscutivelmente limitado e montado por Lisca;
2. Tem que resolver, além do evidente problema de preparação física, a lacuna do técnico em um mercado escasso e inflacionado em um curto período de tempo;
3. Perde o pilar de um projeto feito para o biênio inteiro.
Contra Lisca:
1. Abandona um projeto de dois anos embasado nele, em um clube de tradição que sempre foi uma valiosa vitrine;
2. Perde a chance de reerguer este clube. O trabalho, paulatinamente, vinha acontecendo, embora com muitas dificuldades. Reforços, indicados por ele inclusive, estavam/estão chegando. A parada para a Copa está na iminência de ocorrer, havendo espaço e tempo para uma intertemporada onde problemas físicos, técnicos e táticos poderiam ser corrigidos;
3. Contradiz sua classe ao abandonar um trabalho florescente, visto que hoje a queixa dos treinadores brasileiros é que, no modelo de fazer futebol do país, não se dá chance ao técnico de desenvolver o trabalho. Lisca tinha uma diretoria que o blindava e o respaldava da maneira que podia, mas aparentemente a sobrecarga emocional é maior do que o pensado.
Lisca, profissional sapiente, estudioso do futebol, de sua história e de seus componentes, marcou época no futebol pernambucano mais como um personagem folclórico do que como o treinador destemido que é. Seu grande defeito é não conhecer muito o mercado, suas indicações são muito restritas ao futebol gaúcho. Mas não se deve esquecer que nosso último acesso foi comandado por Waldemar Lemos, diferentemente peculiar e igualmente limitado, restringido-se ao mercado carioca.
Boa sorte a Lisca, que passou de doido para precipitado. Fica o Náutico.
Estatísticas de Lisca enquanto comandante alvirrubro:
Geral
Número de jogos: 26
Vitórias: 10
Empates: 7
Derrotas: 9
Aproveitamento: 47,43%
Gols marcados: 31 (média de 1,1 por jogo)
Gols sofridos: 32 (média de 1,2 por jogo)
Saldo: -1
Copa do Nordeste
Número de jogos: 6
Vitórias: 1
Empates: 3
Derrotas: 2
Aproveitamento: 33,33%
Gols marcados: 4 (média de 0,66 por jogo)
Gols sofridos: 7 (média de 1,1 por jogo)
Saldo: -3
Campeonato Pernambucano
Número de jogos: 14
Vitórias: 7
Empates: 2
Derrotas: 5
Aproveitamento: 54,76%
Gols marcados: 20 (média de 1,4 por jogo)
Gols sofridos: 17 (média de 0,8 por jogo)
Saldo: 3
Copa do Brasil
Número de jogos: 3
Vitórias: 1
Empates: 0
Derrotas: 2
Aproveitamento: 33,33%
Gols marcados: 1 (média de 0,33 por jogo)
Gols sofridos: 4 (média de 1,33 por jogo)
Saldo: -3
Série B
Número de jogos: 3
Vitórias: 1
Empates: 2
Derrotas: 0
Aproveitamento: 55,55%
Gols marcados: 6 (média de 2 por jogo)
Gols sofridos: 4 (média de 1,33 por jogo)
Saldo: 2
Mandante
Número de jogos: 12
Vitórias: 6
Empates: 1
Derrotas: 5
Aproveitamento: 52,7%
Gols marcados: 15 (média de 1,2 gols por jogo)
Gols sofridos: 15 (média de 1,2 gols por jogo)
Saldo: 0
Visitante
Número de jogos: 14
Vitórias: 4
Empates: 6
Derrotas: 4
Aproveitamento: 42,8%
Gols marcados: 15 (média de 1,07 gols por jogo)
Gols sofridos: 14 (média de 1 gol por jogo)
Próximo post: O Náutico segue (em 09/05)
Por Rodolpho Moreira Neto
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Post 64 - O conceito equivocado de profissionalização
Profissionalizar o futebol é uma ideia que a muito tempo vem sendo teorizada no Náutico. O problema é que, na prática, os resultados não comprovam isto.
Hoje foi confirmada a contratação do lateral-direito Oziel. Além dele, um lateral-esquerdo será contratado, sendo este ou não William Rocha. Este incremento eleva para 30 (trinta) o número de contratações realizadas em 2013, 8 (oito) a menos do que em 2012, quando 38 atletas reforçaram o clube.
Obviamente, as últimas contratações se faziam extremamente necessárias, visto que com o elenco de que o Náutico dispunha até dois meses atrás era o mais provável candidato ao descenso. A dúvida é: por que mais uma vez foi desperdiçado um semestre inteiro com uma fórmula que a anos não traz resultados?
2013 (30)
|
Ricardo Berna e
Andrade – Goleiros;
|
Luís Eduardo,
Alcides, Luiz Eduardo Félix, João Filipe, William Alves e Leandro Amaro –
Zagueiros;
|
Maranhão, Bruno
Collaço, Oziel, Eltinho e William Rocha - Laterais;
|
Marcos Paulo,
Rodrigo Souto, Magrão e Derley – Volantes;
|
Giovanni Augusto,
Vinicius Pacheco, Angelo Peña, Diego Morales e Tiago Real – Meias;
|
Elton, Jones
Carioca, Caion, Adeílson, Hugo, Juan Olivera, Jonatas Belusso e Maikon Leite
– Atacantes.
|
No que diz respeito a profissionalização, muitos gerentes amadores, e isso é prática comum em vários clubes, acham que basta contratar um diretor remunerado e pronto, está profissionalizado o futebol. Só que não funciona assim.
Considerando as duas últimas gestões (2010-2011 e 2012-2013), na qual tivemos Paulo Wanderley como vice-presidente executivo e presidente executivo, respectivamente, o Náutivo teve 3 profissionais responsáveis pelo futebol:
Gustavo Mendes, de janeiro de 2010 até março de 2011; No período, o Náutico contratou 71 atletas.
Carlos Kila, de junho de 2011 até fevereiro de 2013; No período, o Náutico contratou 56 atletas. Saiu do clube pois não aceitou tornar-se gerente enquanto Daniel Freitas assumia seu antigo cargo.
Daniel Freitas, de janeiro até julho de 2013; No período, o Náutico contratou 30 atletas.
Mesmo com pessoas experientes no meio, o Náutico em nenhum dos anos citados (2010, 2011, 2012 e 2013) conseguiu realizar menos de 30 contratações, prova inconteste de que algo está errado no sistema montado.
Na minha opinião, os números de cada um dos profissionais não podem ser avaliados de maneira justa, pois a grande verdade é que o Náutico não sabe o que é verdadeiramente profissionalizar. Profissionalizar o futebol não significa ter um clube profissional.
Em 2010, Gustavo Mendes foi responsável, junto a Gallo e Maurício Copertino, pela remodelação do elenco entre o Pernambucano e a Série B. A ação fora bem sucedida e o Náutico liderava a competição, tendo, em 10 jogos, perdido apenas um. Contudo, os atrasos salariais impediram o time de continuar no caminho rumo a Série A em que se encontrava. Alguém responsável pela gestão do elenco pode ser responsabilizado pela incompetência administrativa dos executivos?
2010 (49)
|
Gustavo, Bruno
Fuso, Gideão e Rodrigo Carvalho – Goleiros;
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Gomes, Ediglê,
Diego Bispo, Vinicius, Igor, Walter, Wescley, Saulo e Henrique Santos – Zagueiros;
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Denis, Daniel,
César Prates, Rafael Foster, Wilton Goiano, Flávio Kaká, Anderson Paim, Jeff
Silva e
Guaru – Laterais;
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Ramirez, Hamilton
2x, Márcio Tinga, Elton Giovanni e Rodrigo Pontes – Volantes;
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Itamar, Zé
Carlos, Felipe Pinto, Thiago Marin, João Henrique, Thiago Lima, Erick Flores,
Giovanni
Augusto,
Francismar e Edinho – Meias;
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Geílson, Bruno
Meneghel, Rodrigo Dantas, Erivelto, Evando, Anderson Lessa, Max, Cristiano,
Bruno Veiga,
Candinho e Joelson – Atacantes;
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Em 2011, o Náutico contratou um total de 33 atletas. Apenas 11 deles (Neno, Marlon, Ronaldo Alves, Alex Fraga, Gustavo, Lenon, Alexandro, Moisés, Paulo Sérgio, Rafael Xavier e Jefferson Berger) foram trazidos por Carlos Kila, após o Campeonato Pernambucano. Reparem que eu coloquei a lista de jogadores para destacar: nenhum deles chegou já respaldado como boa contratação, pois o Náutico simplesmente não tinha dinheiro para trazer mais atletas, já que 2/3 do orçamento anual daquele ano foram gastos nos 4 primeiros meses (em resumo, no Campeonato Pernambucano). Pode-se culpar o diretor por não dispor de dinheiro para contratar?
2011 (33)
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Douglas – Goleiro;
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Everton Luiz,
Wescley, Jorge Felipe, Rafael Nitsche, Marlon, Ronaldo Alves, Alex Fraga e
Gustavo –
Zagueiros;
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Rodrigo Heffner,
Peter, Neno e Aírton – Laterais;
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Everton,
Elicarlos, Derley, Ramirez, Rodolfo Potiguar e Lenon – Volantes;
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Eduardo Ramos,
William e Deyvid Sacconni – Meias;
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Kieza, Ricardo
Xavier, Rogério, Daniel Caiçara, Fábio Reis, Silas, Alexandro, Moisés, Paulo
Sérgio,
Rafael Xavier e
Jefferson Berger – Atacantes;
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O grande fato é que os times que hoje fazem sucesso no Brasil são os times que perceberam que profissionalizar é bem mais que investir no futebol. Um investimento em marketing irá gerar mais sócios; com mais sócios, aumenta o interesse de empresas em patrocinar o clube; com patrocínios, o clube ganha receita para investir no futebol.
Aplicando isto em nossa história recente: se tivesse um patrocinador master durante 2010, o Náutico poderia ter regressado à Série A um ano antes, pois haveria receita para manter as folhas de pagamento. Porém, só em novembro, último mês do calendário futebolístico brasileiro foi anunciado a parceria com o Banco Bonsucesso.
O Internacional, que até 2003 matinha uma mentalidade escassa similar ao que temos hoje no Náutico, hoje possui mais de 100.000 sócios. Forte atrativo que o levou a ser patrocinado pela Nike, gigante da indústria de material esportivo. No quesito marketing, o problema em Rosa e Silva é que ainda não se percebeu que ele tem que ser tirado da planilha de custos colocado na planilha de investimentos. Urgentemente. O potencial de mercado da torcida do Náutico é enorme, falta os dirigentes assimilarem isto.
Philco: Antes de começar a ser patrocinado pela empresa, em maio, pela empresa, Náutico passou 26 meses com a cota vaga. Prejuízo: mais de 2,5 milhões.
O mesmo se aplica as categorias de base. Semana passada, o MTA - Movimento Transparência Alvirrubra realizou seu segundo fórum aberto. Um dos palestrantes foi João Paulo Sampaio, coordenador técnico da base do Vitória. Segundo ele, a estrutura física do Náutico em relação a do Vitória, desde quando o rubro-negro baiano começou seu projeto para tornar-se um clube formador em 1991 até hoje, é muito melhor. Então, por que o Vitória revela e negocia muito mais atletas que o Náutico? A resposta é óbvia: gestão profissional.
É preciso pensar em profissionalizar o clube, e não (apenas) o futebol. Algo que os dirigentes do Náutico ainda não assimilaram. A mudança de mentalidade se faz necessária, pois com a metodologia atual*, o Náutico seguirá nesse tortuoso caminho.
* - Em todos os anos passados desde 2003, em sequer um o Náutico realizou menos de 20 contratações. São mais de 200 atletas e só um título conquistado. Contra NÚMEROS não há argumentos. O caminho para fazer um Náutico vencedor não é este,
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